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Artigo – As chances das bikes na pandemia

Artigo – As chances das bikes na pandemia

Artigo – As chances das bikes na pandemia



O início da pandemia trouxe sinais de mudanças no trânsito que poderiam alterar o comportamento dos usuários nas cidades. Isso realmente aconteceu? Leia o texto de J. Pedro Corrêa.

*J. Pedro Corrêa

A chegada do coronavírus, ano passado, trouxe junto alguns sinais de possíveis mudanças no trânsito que alterariam significativamente o comportamento dos usuários nas cidades. O trabalho em casa (online), a queda de uso do transporte público (mais gente em casa e medo de contaminação nos ônibus), menos carros circulando nos centros urbanos abriram perspectivas de que, enfim, tinha chegado a vez das bicicletas nas cidades, com mais ciclofaixas e ciclovias assim como de muito mais gente se deslocando a pé.

Era o cenário dos sonhos para os defensores da mobilidade ativa imaginando o crescimento da cicloatividade, da caminhabilidade como avanços inesperados e trazidos por algo estranho(Covid), fora do que qualquer mente por mais imaginativa que fosse antevisse.

Imediatamente, ativistas atentos iniciaram seus trabalhos de pautar a agenda das cidades em cima das novas oportunidades, estimulando o debate para a abertura das ciclofaixas temporárias enquanto projetos seriam acelerados para a criação das definitivas. Inúmeras prefeituras foram no embalo e anunciaram planos nesta direção. Durante algum tempo houve um certo entusiasmo com a ideia, mas como muitas outras coisas no nosso país, esta também não foi muito longe.

Aos poucos os carros foram voltando em maior volume aos centros e a ciclo mobilidade mostrou que não tinha vitalidade suficiente para se segurar no topo da agenda. Uma frustração para quem queria usar mais a bicicleta bem como para aqueles que torciam por ela. Afinal, foi uma oportunidade incrível mas não aproveitada plenamente.

Resolvi investigar um pouco mais para entender porque não deu certo e, principalmente se pode, ainda, no futuro dar certo e neste caso, o que precisa ser feito para que as bikes venham a ter o sonhado espaço de honra no cenário urbano brasileiro. Pesquisei nas principais entidades do setor e conversei com algumas “autoridades” no assunto no mundo das bikes.

Embora concordem que se perdeu uma boa oportunidade de ganhar bem mais espaço, minhas fontes dizem que ainda se pode comemorar algum saldo positivo. Houve progressos em algumas cidades que melhoraram suas redes cicloviárias e certamente houve ganhos na consolidação do discurso em favor do uso das bicicletas: não há dúvidas quando aos benefícios à saúde pública, ao meio ambiente, à qualidade de vida de maneira geral. Houve também crescimento do uso das bikes e a demonstração mais evidente está na falta de peças sobressalentes no mercado de bicicletas devido à falta de suprimentos dos fabricantes na China, de onde vêm boa parte delas.

A pergunta mais intrigante neste caso é a seguinte: se as prefeituras diziam que queriam, se as entidades ligadas ao cicloativismo faziam de tudo para as bikes viessem com tudo, se a mídia mostrava total simpatia à ideia e era óbvio o interesse dos usuários da bicicleta, o que deu errado?

Meus interlocutores apontam falta de sensibilidade das autoridades municipais mas aparentemente faltou articulação política. Não houve um movimento sólido, de uma liderança consolidada que orientasse e/ou coordenasse este esforço nacional.

A sensação que eu fiquei é que, apesar de ser forte (frota de 70 milhões de bicicletas, segundo a Abraciclo, 59 milhões segundo o Sindipeças) o setor carece de força política e de lideranças capazes de comandar um amplo e compacto movimento de afirmação nacional. Dá para perceber que a bike tem a simpatia da sociedade, mas fica claro que isto só não basta. Precisa mostrar força econômica, robustez de imagem e dispor de estrutura e munição suficientes para apoiar uma batalha de comunicação com argumentos de longo prazo para poder, finalmente, vencer. Aparentemente as lideranças da ciclomobilidade estão esparsas pelo país e isto pode pesar bastante.

Prefeitos e demais governantes das cidades precisam estar convencidos da necessidade desta mudança e isto é coisa para profissionais experientes.

De maneira geral, na visão dos meus entrevistados, o problema está na falta de capacidade dos nossos governantes de entender a oportunidade de ouro que o crescimento das bikes representaria às nossas cidades equilibrando a utilização dos modais de transportes nos centros urbanos. Na medida em que amplia o sistema cicloviário dos municípios, os prefeitos estão incentivando a saúde da sociedade. Além de reduzir o número de carros e a consequente poluição atmosférica, tornando assim as cidades mais sustentáveis. Como disse a prefeita de Guadalajara, no México, recentemente: ”não estamos fechando os centros urbanos para os carros – simplesmente estamos abrindo mais para outros modais”.

Na verdade, nestes últimos anos vimos que as bikes têm contribuído muito para a mudança do jeito de viver dos brasileiros. Elas têm sido usadas como lazer, mobilidade, transporte, deliveries, food-bikes, e por aí. Agora fala-se também em ciclologística, ciclomobilidade e outros sistemas ampliando as formas de uso das magrelas.

No exterior, a última moda agora parece ser a “cidade de 15 minutos”, onde o cidadão vive em áreas onde tudo que lhe é essencial esteja a 15 minutos de distância caminhando. E, claro, neste contexto as bikes estão presentes. Paris é um dos últimos bons exemplos deste modelo, se prevalecer o plano apresentado pela Prefeita Anne Hidalgo de mudar completamente a cara da cidade.

Assim, deve-se comemorar o avanço da bicicleta em algumas cidades brasileiras, o que certamente levará muitas outras a seguir o exemplo. Porém, ao mesmo tempo, pode-se lamentar a perda da grande oportunidade proporcionada pela pandemia do Convid-19. O importante, então, não deve ser apenas chorar a oportunidade perdida mas aproveitar a ocasião para aprender que lições se pode tirar dela.

Afinal, estamos claramente diante de decisões equivocadas de governantes (ou da falta delas) e como evitar isto. Uma destas formas é melhorando nossos conhecimentos sobre sustentabilidade; outra, votando melhor, com mais consciência nas próximas eleições. São lições como estas que nos tornarão uma sociedade melhor, mais consciente, mais atenta às nossas necessidades para garantir um futuro melhor às futuras gerações. Pode parecer pouco, mas será um progresso expressivo.

*J. Pedro Corrêa é Consultor em Programas de Segurança no Trânsito




Fonte: Portal do Trânsito